quarta-feira, 12 de setembro de 2007

COMPETENCIA NOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO

À Justiça do Trabalho não foi destinada competência para decisão de nenhuma causa de natureza penal. Isto é muito facilmente aferido da leitura da Carta Magna, em seu art. 114. Conhecendo da prática de delitos deste escol, os juízes laborais deverão comunicar os fatos à autoridade policial, ao Ministério Público ou ao juízo competente.
É sabido que os crimes contra a organização do trabalho estão tipificados nos arts. 197 a 207 de nosso Código Penal. Contudo, não há uma estrita coincidência entre tais delitos e aqueles descritos no art. 109, VI, da CF/88, posterior e de maior hierarquia que o CP. É como bem analisa Roberto da Silva Oliveira:
"O sentido do termo na Constituição diz respeito à proteção dos direitos e deveres dos trabalhadores em coletividade, como força de trabalho, não podendo ser confundido com aquele adotado pelo Código Penal, que pode conceber um mero crime contra o patrimônio de um empregado como crime contra a organização do trabalho" (51).
Assim, não necessariamente os crimes contra a organização do trabalho que são mencionados no art. 109 da Carta Constitucional somente estarão dentre os trazidos pelos arts. 197 a 207 do Código Penal. É como sói ocorrer com o delito de redução à condição análoga de escravo, citado à frente, que está insculpido no art. 149 do CP e pode ser considerado como crime contra a organização do trabalho.
Vladimir de Souza Carvalho assim comenta os crimes contra a organização do trabalho descritos na Constituição: "Serão aqueles que têm pertinência com o sistema geral de órgão e instituição que preserva, em termos genéricos, os direitos e os deveres dos trabalhadores em coletividade, como força de trabalho. Seria, por exemplo, o crime de instigar greve quando não autorizada ou impedi-la, quando permitida; ou que impeça de funcionar uma confederação de sindicatos etc. Tais seriam crimes contra a Organização do Trabalho, em sentido próprio, a que, evidentemente, quis referir-se à Constituição." (52)
Assim, para que a análise desta competência da Justiça Federal não fosse tão simplista, o antigo Tribunal Federal de Recursos editou a Súmula 115, que pacificou imensamente a questão, afirmando que: "compete à Justiça Federal processar e julgar os crimes contra a organização do trabalho, quando tenham por objeto a organização geral do trabalho ou direitos dos trabalhadores considerados coletivamente".
Alguns fatos apontados como crimes contra a organização do trabalho não passam de mero delito de dano. Isto costuma ocorrer em atos de violência, praticados durante movimentos grevistas, por pessoas que nem mesmo é trabalhadora em empresas relacionadas ao movimento paredista. Por óbvio que a conduta deve ser tratada como crime contra o patrimônio.
Por vezes, órgãos federais como o Ministério do Trabalho e a Justiça do Trabalho são afetados por condutas que os induzem a erros, como nas falsificações e usos de documentos falsos. Nestes casos, a competência da Justiça Federal se determinará pelo art. 109, inciso IV, da CF, e não pelo fato de que a organização do trabalho restaria afetada.
Quanto aos delitos decorrentes de greve, impende ressaltar que não mais subsiste a regra do art. 125, inciso VI, da CF/69, destinando à Justiça Federal a competência para julga-los. No caso concreto, caberá ao julgador verificar se o crime praticado em movimentos grevistas efetivamente atenta contra a organização do trabalho, coletivamente considerada. Somente assim, seria competente a Justiça Federal.
Vale abrir um parêntesis sobre o abominável crime de submissão e redução à condição análoga a de escravo, que foi bastante modificado pela novel Lei 10.803/2003. O art. 149 do Código Penal assim fala:
"Art. 149. Reduzir alguém a condição análoga à de escravo, quer submetendo-o a trabalhos forçados ou a jornada exaustiva, quer sujeitando-o a condições degradantes de trabalho, quer restringindo, por qualquer meio, sua locomoção em razão de dívida contraída com o empregador ou preposto: (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
Pena - reclusão, de dois a oito anos, e multa, além da pena correspondente à violência. (Redação dada pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
§ 1o Nas mesmas penas incorre quem: (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – cerceia o uso de qualquer meio de transporte por parte do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho;
II – mantém vigilância ostensiva no local de trabalho ou se apodera de documentos ou objetos pessoais do trabalhador, com o fim de retê-lo no local de trabalho.
§ 2o A pena é aumentada de metade, se o crime é cometido: (Parágrafo incluído pela Lei nº 10.803, de 11.12.2003)
I – contra criança ou adolescente;
II – por motivo de preconceito de raça, cor, etnia, religião ou origem."
Discute-se se este delito seria ou não da competência da Justiça Federal, a teor do art. 109, VI, da Constituição. Cremos que, quando se está diante da redução de alguém à condição de escravo, se encontra eivado de morte, no mínimo, um direito coletivo dos trabalhadores: a garantia constitucional ao salário, contra-prestação ao trabalho produzido pelo trabalhador. Indiscutível que a prática do escravismo desestabiliza qualquer sistema de organização e proteção do trabalho, levando à míngua seus correlatos direitos. Inolvide-se que, na quase totalidade dos casos apurados pela Polícia, não é encontrado apenas um ou dois trabalhadores escravos, mas sim vários, compondo um sistema imbricado de escravização praticada por quadrilhas organizadas, geradoras de uma verdadeira legião de trabalhadores que vivem e laboram em condições sub-humanas e indignas, e que não condizem com nenhum Estado Democrático, demonstrando ser uma vergonha nacional a insistente existência de cidadãos trabalhando sem receber salário.
Ainda, além de afetar drasticamente a organização do trabalho, tal delito vai de encontro a interesse direto da União. O Brasil firmou as Convenções 29 e 105 da Organização Internacional do Trabalho. A Convenção 29 foi aprovada pelo Decreto Legislativo n°. 24, de 29.05.56 e promulgada pelo Decreto n°. 41.721, de 25.06.57. Já a Convenção 105 teve seu conteúdo aprovado pelo Decreto Legislativo n°. 20, de 30.04.65, com promulgação dada pelo Decreto 58.822, de 14.07.66. Em ambas as convenções, o Brasil, através da União, que é ente de direito público interno e exclusivamente representa o Estado brasileiro nas relações exteriores, se comprometeu a adotar medidas eficazes no objetivo de abolir imediata e completamente o trabalho forçado ou escravo. Há, inclusive, equipes montadas de servidores federais incumbidos de combater estas nocivas práticas, como o GERTRAF – Grupo Executivo de Repressão ao Trabalho Forçado e o Grupo Especial de Fiscalização Móvel, este atuando com o apoio logístico da Polícia Federal. Nítido e inconfundível o interesse direto da União na solução deste tipo de delito, consagrando, por conseguinte, a competência da Justiça Federal para o seu deslinde.

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