segunda-feira, 17 de setembro de 2007

CONFISSÃO, REVELIA E RECONHECIMENTO DA PROCEDÊNCIA DO PEDIDO.

A lide é qualificada por um conflito de interesses protegidos pela ordem jurídica. Esse conflito deriva do fato de duas ou mais pessoas manifestarem interesse por um bem ou uma utilidade da vida, sem que uma ou mais delas renuncie a essa pretensão. A presença das pessoas em juízo é a existência de um antagonismo entre os seus interesses, além de esse conflito ser solucionado pelo Poder Judiciário em nome da pacificação. Com freqüência, os pedidos formulados pelas partes decorrem de fatos, que são acontecimentos do mundo sensível, capazes de produzir repercussão na ordem, jurídica. A existência desses fatos deve ser comprovada pela parte que os alegou, segundo a distribuição legal do correspondente ônus (CPC, art. 333, caput, I e II).
Todavia em determinados casos, uma das partes acaba admitindo como verdadeiro um fato contrário ao seu interesse externado na causa e favorável ao adversário: com isso, estará configurada a confissão, art. 348 do CPC. A regra contida neste dispositivo legal, aliás, foi inspirada na lição de Chiovenda, para quem "confissão é a declaração, por uma parte, da verdade dos fatos afirmados pelo adversário e contrários ao confitente"[1]. Pelos ensinamentos de Humberto Theodoro Júnior, perito em processo civil: “confissão é a declaração, judicial ou extrajudicial, provocada ou espontânea, em que um dos litigantes, capaz e com animo de se obrigar, faz da verdade, integral ou parcial, dos fatos alegados pela parte contrária, como fundamentais da ação ou da defesa” [2].
Se a parte confessar, os fatos deixam de ser controvertidos e, por esse motivo, não necessitam ser objeto de prova (CPC, art. 334, II) – precisamente porque a confissão já é um meio de prova. A concepção, que considera confissão a própria condenação, deve ser vista com ressalvas em face do poder discricionário e livre convencimento do juiz. A confissão será inadmissível quando tiver como objeto fatos relativos a direitos disponíveis (CPC, art. 320, II e 351), como se dá nas ações de investigação de paternidade, de guarda, educação e alimentos dos filhos etc.
Ressalta-se que a confissão é apenas um meio de prova, que, como os demais, se presta a formar a convicção do julgador em torno dos fatos controvertidos na causa. Sendo meio probatório, não deve ser entendida além dessa limitação, pois, caso contrário, se abriria perigosa brecha para colusão, permitindo que processos fraudulentos fossem iniciados com um único intuito de, através da confissão, obstar ao julgador a possibilidade de amplamente perquirir os elementos da causa, como por exemplo, se a parte confessasse dívida inexistente apenas para, judicialmente, transferir seus bens a outrem, em prejuízo à seus verdadeiros credores.
A renúncia ao direito em que se funda a ação, mencionada no art. 269, V, difere da confissão. É um ato que só pode ser praticado de acordo com a produção processual, ou seja, pelo autor, enquanto quaisquer das partes podem confessar independentemente do pólo processual que assuma. Também é ato de disposição, e por isso vincula o juiz, ou seja, se o autor renuncia ao direito, não cabe ao magistrado desconhecer o ato, pois, representando disposição de direito, a natural conseqüência é a homologação pelo juiz; já a confissão não é ato de disposição, mas declaração de ciência de que o fato é verídico, e, por isso, não tem efeito vinculante. Além disso, a renúncia alcança as conseqüências jurídicas do fato, enquanto na confissão há a admissão apenas da veracidade do fato, cabendo ao juiz determinar as conseqüências que do fato resultam, podendo, aliás, julgar favoravelmente ao confitente.
A confissão não se confunde com o reconhecimento jurídico do pedido, de que fala o art. 269, II, CPC.
São as seguintes as principais diferenças:
A – Somente a confissão é meio de prova; o reconhecimento jurídico do pedido é uma renúncia à resistência oferecida à pretensão.
B – Apenas a confissão pode ser tácita; o reconhecimento do pedido há de ser sempre expresso. Em outras palavras, enquanto o reconhecimento é sempre intencional, por refletir a manifestação volitiva da parte, a confissão pode ser inadivertida, pois nem sempre será produto da vontade do confitente, como na ficta confessio.
C – O reconhecimento do pedido é ato exclusivo do réu; já a confissão pode ser feita tanto pelo autor quanto pelo réu.
D – Só o reconhecimento jurídico do pedido é causa de extinção do processo (CPC, art. 269, II); a confissão, como meio de prova, deve ser considerada na oportunidade do proferimento da sentença.
E – O objeto da confissão são os fatos; o do reconhecimento, o direito invocado pela parte contrária.
F – A confissão nem sempre faz com que o confitente fique vencido na demanda, ao passo que o reconhecimento jurídico do pedido, em regra, conduz a uma solução do conflito em favor da outra parte.
Os requisitos da confissão nada mais seriam do que os elementos da confissão, porém tratados de maneira mais sucinta e objetiva.
Como a confissão importa uma verdadeira renúncia de direitos (os possíveis direitos envolvidos na relação litigiosa), só as pessoas maiores e capazes podem confessar. E, assim mesmo, apenas quando a causa versar sobre direitos disponíveis ou quando o ato não for daqueles cuja eficácia jurídica reclama forma solene.
Destarte, podem-se arrolar os seguintes requisitos para a eficácia da confissão, segundo Humberto Theodoro Júnior.[3]
I – capacidade plena do confitente; os representantes legais de incapazes nunca podem confessar por eles;
II – inexigibilidade de forma especial para a validade do ato jurídico confessado (não se pode confessar um casamento sem demonstrar que ele se realizou com as solenidades legais; ou a aquisição da propriedade imobiliária sem a transcrição no Registro de Imóveis);
III – disponibilidade do direito relacionado com o fato confessado.
A confissão pode ser judicial ou extrajudicial (art. 348, 2ª parte). A confissão judicial (obtida dentro do processo, como meio de prova) pode ser real ou ficta. A confissão real é aquela surgida por manifestação da vontade do confitente. Ela subdivide-se em: Espontânea, quando requerida pelo confitente, sendo admissível a qualquer tempo e podendo ser feita pela própria parte, pessoalmente, ou por procurador investido de poderes especiais (arts. 38 e 349, parágrafo único); deve ser reduzida a termos nos autos (art. 349, caput, 2ª parte). De modo geral, é feita por meio de petição, daí por que também é denominada confissão por petição; Provocada, quando obtida mediante interrogatório da parte, em seu depoimento pessoal (art. 349, caput), na audiência de instrução e julgamento ou noutra especialmente designada para tomá-lo. Segundo o sistema do CPC, é a que se origina do depoimento pessoal do litigante. Aqui não há a intenção, a vontade da parte em confessar; a sua confissão é provocada por meio de perguntas que lhe são formuladas pelo juiz, pela parte contrária, pelo Ministério Público. Trata-se, por outro lado, de confissão expressa porquanto foi manifestada pelo depoente. A confissão ficta é aquela que resulta da recusa da parte cujo depoimento foi requerido, a comparecer ou a depor.
O efeito essencial da confissão reside no reconhecimento quanto a serem verdadeiros os fatos alegados pela parte contrária. No caso de confissão espontânea, a confissão possui eficácia plena, absoluta, uma vez que emana da vontade da pessoa (desde que a sua intenção tenha sido externada sem nenhum vício); na provocada, a eficácia também é plena, pois embora a confissão não tenha provindo da vontade da parte, foi por esta manifestada, ainda que de maneira inadvertida; na confissão ficta, porém, a eficácia da confissão é relativa, porquanto a parte não manifestou nenhuma palavra capaz de espelhar a sua vontade de confessar. Aqui, a confissão, como já foi dito anteriormente, é tácita e decorre da ausência da parte à audiência em que deveria prestar depoimento, ou da sua recusa em responder o que lhe foi perguntado ou do fato de utilizar evasivas nas respostas dadas. A confissão ficta traduz uma solução de ordem prática que o sistema processual encontrou para superar os problemas decorrentes das atitudes das partes, acima referidas. A presunção da veracidade não significa que o fato seja efetivamente verdadeiro.
Poderá a parte pleitear revogação de confissão. Mas isto, somente poderá ocorrer se se provar vício de consentimento (erro, dolo ou coação). Para furtar-se aos efeitos da confissão assim viciada, o confitente terá, segundo o art. 352, de recorrer a :
I – ação anulatória, se o processo em que confessou ainda estiver pendente;
II – ação rescisória, se já houver sentença passada em julgado e a confissão constituir seu único fundamento.
A legitimidade para propor estas ações é apenas do próprio confitente. Mas se, depois de iniciada a causa, vier a falecer o autor, seus herdeiros poderão dar-lhe prosseguimento (art. 352, p. único).
A confissão, de regra, é indivisível, "não podendo a parte, que a quiser invocar como prova, aceitá-la no tópico que a beneficiar e rejeitá-la no que lhe for desfavorável" (CPC, art. 354, primeira parte).
A questão probatória em face da revelia é tema de relevante importância. O processo é formado pelas partes interessadas que litigam em busca de seus direitos, apresentando ao Poder Judiciário, cuja função específica é assegurar a aplicação do direito objetivo, fatos com o intuito de demonstrar a existência de suas pretensões.
Ocorre que a simples alegação, por si só, não é suficiente para confirmar a veracidade dos fatos, sendo necessária sua demonstração por meio das provas. As provas são responsáveis diretas pela formação do convencimento do juiz acerca da veracidade dos fatos apresentados no processo, cabendo as partes o ônus de provar suas alegações. O Código de Processo Civil determina os momentos adequados para a produção dos atos processuais, que devem ser respeitados pelos litigantes. Dentre esses momentos processuais, cumpre destacar o da proposição das provas, que, em regra, deve ser realizada pelo autor com a petição inicial, e o réu na contestação.
Com a citação válida, o réu tem o ônus de contestar as alegações autorais. Por se tratar de um ônus e não de um dever, o réu pode omitir-se e deixar de apresentar sua contestação. Agindo dessa forma o réu passa a ser considerado revel, e sobre ele podem recair os efeitos decorrentes de sua inatividade, que se encontram esculpidos nos artigos 319, 322 e 330 do CPC. (exceção dos casos previstos no artigo 320 do CPC).
Conforme entendimento jurisprudencial majoritário emanado do Supremo Tribunal Federal e Superior Tribunal de Justiça, a presunção contida na norma do artigo 319 advinda da decretação da revelia não é absoluta, ou seja, as alegações autorias serão consideradas verdadeiras até que se prove o contrário.
Além disso, se o conjunto de provas trazido aos autos pelo autor se mostrarem insuficientes para a formação da convicção do juiz, o julgamento antecipado não se impõe, uma vez vigorar em nosso sistema o princípio do livre convencimento, onde é permitido ao julgador apreciar livremente as provas, atendendo aos fatos e circunstâncias constantes dos autos, ainda que não alegados pelas partes.
Dessa forma o que vai decidir se é possível deferir a produção de provas requeridas pelo revel será o exame dos fatos da demanda, sobre os quais poderá se concluir pela pertinência das provas.
O réu não tem o dever de contestar o pedido, mas tem o ônus de fazê-lo. Se não responde ao autor, incorre em revelia, que cria para o demandado inerte um particular estado processual, passando a ser tratado como um ausente do processo.
Todos os atos processuais, em conseqüência dessa atitude, passam a ser praticados sem intimação ou ciência ao réu, ou seja, o processo passa a correr à revelia do demandado, numa verdadeira abolição do princípio do contraditório (art. 322, CPC).
Assim, contra o revel correrão todos os prazos independentemente de intimação, inclusive os de recurso. A lei não faz qualquer distinção, de sorte que mesmo a sentença contra ele passará em julgado, sem necessidade de intimação, bastando a sua comum publicação.
Há revelia, outrossim, tanto quando o réu não comparece ao processo no prazo da citação, como quando, comparecendo, deixa de oferecer contestação.
No procedimento sumaríssimo, por exemplo, quando o réu comparece à audiência desacompanhado de advogado para formular sua resposta, há revelia, embora esteja o demandado pessoalmente presente.
O fato, porém, de não ter contestado o pedido, não impede o réu de comparecer posteriormente a juízo e de se fazer representar por advogado nos autos. O Código lhe assegura o direito de "intervir no processo em qualquer fase". Mas, quando isto se der, o revel receberá o feito no estado em que se encontrar (art. 322). Daí em diante, respeitados os atos preclusos, participará da marcha processual em par de igualdade com o autor, restabelecendo o império do contraditório, e tornando obrigatórias as intimações a seu advogado. "Se o réu não contestar a ação, reputar-se-ão verdadeiros os fatos afirmados pelo autor" (art. 319).
Além da confissão e da revelia, existe outra atitude que o réu pode tomar frente à ação ajuizada. Consiste em reconhecer o demandado "a procedência do pedido do autor" (art. 269, nº II), fato que leva ao julgamento antecipado do processo, com solução de mérito.
O reconhecimento do pedido não se confunde com a confissão, que é apenas meio de prova e se refere a um ou alguns fatos arrolados pela parte contrária. O reconhecimento tem por objeto o próprio pedido do autor como um todo, isto é, com todos os seus consectários jurídicos. É verdadeira adesão do réu ao pedido do autor, ensejando autocomposição do litígio e dispensando o juiz de dar sua própria solução ao mérito. O juiz apenas encerra o processo, reconhecendo que a lide se extinguiu por eliminação da resistência do réu à pretensão do autor. Desaparecida a lide, não há mais tutela jurisdicional a ser dispensada às partes, o que, todavia, não exime o juiz de proferir sentença que reconheça esse fato jurídico e que ponha fim definitivamente ao processo.
[1] CHIOVENDA, Giuseppe. Instituições de direito processual civil. 1.ed. Campinas : Bookseller, 1998. v.3. p. 118.
[2] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 28. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1999. v.1. p. 432.
[3] THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de direito processual civil. 28. ed. Rio de Janeiro : Forense, 1999, v. 1, p. 433.

Um comentário:

Unknown disse...

Bravo...

Muito técnica e facilmente esplicado sem perder o enfoque jurídico!